segunda-feira, 27 de outubro de 2008

JUSTIÇA - UM FILME DE MARIA AUGUSTA RAMOS



A “JUSTIÇA” E SUAS VERDADES: DA CRISE DO ENSINO JURÍDICO À (MÁ) FORMAÇÃO DOS OPERADORES DO DIREITO

Mais um assassinato de uma jovem de classe mediana, o Caso Eloá faz ressoar reacende o clamor público por “Justiça”, os holofotes não se desligaram um minuto nas mais de 72 horas em que se passou o ato do garoto Lindemberg, a mídia foi enfática esquecendo-se, de tantas outras realidades não destacadas. Entretanto, o clamor popular ante a morte da garota Eloá faz-nos rediscutir a idéia que instaurada na sociedade do que seria Justiça.

Nesse contexto, o filme-documentário de Maria Augusta Ramos – Justiça – que se passa no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, fruto de uma vasta análise do dia-a-dia dos Tribunais é reflexo translúcido da realidade judiciária que enfrentamos atualmente; O filme se passa na análise do dia-a-dia dos juízes, acusados e defensores públicos, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

O documentário demonstra o papel de desumanização pelo qual passa o cidadão que comete um ilícito penal. As cenas do filme refletem a frieza com que são tratados os infratores demonstrando, a já vista e criticada superioridade do magistrado, conforme é mostrado, os juízes num patamar superior, nunca equânime, nas salas de julgamento. Mantendo uma postura medíocre ante a realidade do sujeito trazido a julgamento, crendo que está cumprindo seu papel com a mera aplicação silogística da lei.

Presente postura foi instaurada ao longo da história, onde os ocupantes de tais cargos sempre foram “endeusados”, como se todos fossem impecavelmente perfeitos, tal postura é bem percebida no discurso e postura da Juíza Fátima Maria Clemente que deixa clara sua indiferença à realidade social na qual está incluído o sujeito trazido ao seu julgamento, esta se demonstra sempre fria a qualquer fato acrescentado não se importando com as condições em que se encontra o Sujeito por ela condenado, sob o manto da resposta: “Isto não é problema meu...”

Outro fato de grande relevância é a condenação de um jovem portador de necessidade especial, na qual se percebe a condenação apesar da total incoerência dos fatos narrados com a realidade, o mesmo fora acusado de invasão de domicílio e fora recolhido, supostamente, após ter pulado o muro da casa, apesar de suas pernas atrofiadas, ou seja, percebe-se a dissonância entre realidade legal (a pureza das leis) e a realidade fática (a infração da dignidade humana). Contrastando com a realidade diária do Tribunal, o Documentário mostra também o dia-a-dia dos presos dentro de uma delegacia à espera de julgamento, a inversão do discurso de defesa social, e a afronta direta aos Direitos Humanos, as delegacias e presídios são transformados em “lixeiras humanas”, nas quais se jogam, sem nenhum cuidado, aqueles que não serviram e não se incluíram na sociedade.

Desta forma o Documentário de Maria Augusta Ramos reacende o debate do que seria uma verdadeira e efetiva justiça. Percebe-se claramente na atitude dos Magistrados (na maioria), um discurso legalista e moralista, que se reflete em meras condenações de infrações de pequeno porte, ao passo que os principais “bandidos” do Estado permanecem às soltas. Por fim, a defesa de uma ideologia em muito tempo superada, e ainda hoje aplicada por grande parte dos juristas, isto é, a não-conexão entre Direito e Realidade Social, reflete uma postura idealista ante a Função Ressocializadora da Pena, há tempos superada, urgindo aos nossos ouvidos a adoção de uma postura firme de transformação da realidade não só da Sociedade brasileira, mas também do que se convencionou chamar de “Justiça” brasileira.


São Luís - MA, 27 de outubro de 2008.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA E LIVRE INICIATIVA: UMA REALIDADE (IN)CONCILIÁVEL(?)


Não procrastinemos a realidade, aos seus 20 anos de idade, após tantas palmas e aclamações à “Constituição Cidadã”, promulgada no dia 5 de Outubro de 1988, continuamos com uma parcela significante de sua proposta no “mundo das idéias”, nenhuma busca de efetiva aplicação da Carta Magna têm-se buscado, ou ao menos, não aparentemente. Neste sentido, deter-nos-emos ao Art. 170 da mesma Carta.

O supracidato artigo se inicia defendendo a idéia de uma “ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social”, entretanto, conforme fora acima afirmado, apesar de seus 20 anos, a Constituição Federal, ainda hoje se encontra em grande parte esquecida por muitos, de modo que diversas vezes sucumbe, ante decisões políticas que, por vezes, são totalmente contrárias à idéia proposta pela mesma.

Diante da beleza do texto Constitucional podemos até nos emocionar, entretanto, a realidade de efetivação dessa proposta é distinta. O Brasil tomou uma postura supostamente liberal ao inscrever sua realidade no âmbito da “Livre Iniciativa”, porém, apesar da liberdade do exercício de sua atividade econômica, a mesma Carta também se norteia por princípios de valorização do trabalho humano, leda proposta Constitucional, dia após dia caímos numa espécie de “programatismo”, onde se consideram todos os possíveis direitos dos cidadãos brasileiros como normas Programáticas, conforme afirma José Afonso da Silva, escapando pela sorrateiramente, sempre que cobrados pela efetivação do Estado de Direito.

Vê-se então que o Direito que era para ser uma categoria geral, isto é, pertencente a todos, conforme afirma a Constituição, passa a ser uma realidade restrita a algumas classes e alguns pequenos grupos. A realidade em que vivemos, a crescente veiculação da mídia por uma proposta privativa do Estado, foge ao próprio norte normativo proposto pelo Art. 170 e seus princípios, há uma visível supervalorização da idéia de “Livre Iniciativa” em detrimento das outras propostas trazidas pelo mesmo artigo. Isto é, acompanhamos o crescimento das grandes empresas e empreiteiras, de forma cada vez maior, engolindo as pequenas empresas, quando as mesmas eram para serem valorizadas, ao lado desta realidade, percebemos uma maior concentração do poder e das tomadas de decisões, principalmente, na concessão de empreendimentos estratégicos do Estado, sem contar constante mecanização do trabalho, em detrimento do “Trabalho Humano” que propõe nossa Lei Fundamental.

Atualmente percebemos a (devastadora) onda de crescimento de incentivos fiscais para o estabelecimento de grandes empresas, reduzindo-se assim o Espaço Público. Com a redução do Espaço Público, grande parcela da população sai dos postos de poder, que passam as serem ocupados por chefes de grandes empresas, pois à medida que crescem tais empresas englobam boa parte da renda do Estado, podendo até mesmo tornar-se maior que o mesmo, e é que tem ocorrido em grande parte do mundo, um crescimento das multinacionais que passam a ter diversas filiais ao redor do mundo, tornando-se gigantes, por exemplo, basta analisar e perceber que atualmente uma das maiores latifundiárias do mundo é a empresa McDonald’s que conta com filiais nos 4 continentes.

Com isso, percebe-se no Art. 170, uma faca de dois gumes à medida que se valoriza demasiadamente a Livre Iniciativa desvalorizam-se os outros diversos princípios propostos na Constituição; Fruto dessa realidade tem-se o calejado discurso de Responsabilidade Social das Grandes Empresas, formas simplórias de manter, através de um “pão-e-circo” moderno as baixas classes sociais, principais afetados por toda uma série de decisões tomadas sem uma participação Política Democrática, isto é, percebe-se uma Democracia meramente “Deliberativa” (Conforme Guilermo O’Donnel), os postos de discussão políticas são subtraídos ao Estado que agora já não discutem suas propostas com a população, mas com os grandes empresários, que por terem liberdade de crescer desmedidamente, tornam-se maiores que o próprio Poder Estatal de decisão. E na fase em que passamos, de crise, percebemos a drástica desigualdade, onde se privatizam cada vez mais os lucros e socializam-se os prejuízos, restando sempre ao povo a conta de toda uma proposta de “livre iniciativa”, que mais aprisiona que liberta.

São Luís - MA, 21 de outubro de 2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

MAQUIADOS MAQUIAVÉLICOS



Vivemos mais um ano de eleição, os velhos e glorificados ideais de Democracia se renovam, mais uma vez, “Zé Povinho” se enche de esperança ludibriado pela crença na capacidade transformadora da política (sim, aquela com “p” minúsculo, pois Política é um conceito bem mais amplo não se restringindo unicamente ao voto); Exercemos, esperançosamente, nossa “cidadania” (outro conceito que foi defasado ao longo dos tempos, restringindo-se ao exercício do voto) buscando, através do voto, transformar a realidade. É a surrada história de Democracia, onde elegemos os nossos representantes, não obstante todo debate acerca da Democracia, emerge a hesitação, ao interesse de quem respondem tais representantes?

A palavra Democracia logo nos trás à mente o conceito mais usado: DEMO = POVO + CRACIA = GOVERNO, apesar da utópica realidade a qual nos remete a palavra, não hesitamos em crer na sustentabilidade do modelo em vigência. Como propõe Guilhermo O’Donnel, o que ocorre é uma Democracia Deliberativa, e nunca Representativa; Os ascendentes ao poder, iludem a cada quatro anos “Zé Povinho” que, a meu ver, já desistiu da mudança Democrática (se é que podemos falar de Democracia no Brasil). Como diz O’Donnel, há mais uma deliberatividade que representatividade no Brasil, isto é, não há uma mudança efetiva se o “representante” não é verdadeiramente determinado, pois não há meios de cobrar uma boa gestão, e no fim, a “Justiça” Eleitoral sempre absolve tais indivíduos, deturpando, desta forma, o modelo, onde facilmente nos corrompemos por dinheiro.

Vivi boa parte da vida numa cidade interiorana em um Estado conhecido pela sua taxa de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria, e posso perceber, até hoje, apesar de tudo o que já foi debatido acerca de Política (Essa com “P” maiúsculo, na qual debate-se a manutenção do Estado ou da Polis), não nos desprendemos de nosso modelo tirânico, até mesmo, pasmem, voto de cabresto; Ainda calamos nossas bocas frente às diversas ilegalidades que aparecem, como se não bastasse, a “Justiça” se faz conveniente a tais práticas, ou finge não ver isso que ocorre.

É tudo muito belo, os candidatos abraçando todos, visitando casa a casa, em outros termos, “colocando a sociedade no colo”, entretanto, me entristece, e me faz, por vezes desacreditar neste modelo, quando percebemos, no ano subseqüente (deixem-me aproveitar o trema “ü” que ele vai sumir com a reforma lingüística) uma realidade totalmente distinta, onde “Zé Povinho” é totalmente esquecido e os representantes, representam muito bem, os seus próprios interesses, e nunca os interesses da sociedade.

Percebe-se, então, que o ideal Democrático, acima mencionado, é totalmente esquecido, até o terceiro ano, pois no terceiro ano é o ano de efetuar algum projeto a fim de tentar mais uma vez a reeleição... E a política vai seguindo desta forma, vota-se sempre a favor de interesses próprios nenhum artifício é criado para regular a atividade dos tais representantes, e ano a ano, “Zé Povinho” vai ficando cada vez mais excluído, pois a representação é feita sempre em nome de uma minoria, a maioria excluída dos interesses vai sendo anualmente assassinada de fome, ignorância, em sua saúde, derrotada diuturnamente pelos detentores do poder. E jogado ao chão de uma praça suja, “Zé Povinho”, já sem forças para lutar, adormece, sem o abraço ou aperto de mão daquele que outrora dissera ser seu amigo, e prometera lutar para mudar a realidade...


Barra do Corda – MA, 05 de outubro de 2008


P.S.: Não que eu já não acredite na força da Política, mas vivemos tempos tão loucos que o outro já não nos comove, e deixamos de pensar coletivo para pensar apenas no individual... E isso, aos poucos vai matando o outro...

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

INVESTIMENTOS E INVESTIDAS


Eram cerca de 23:40h quando cheguei hoje em casa após mais um dia de estudos, principalmente tratando-se da “Death Week”, nome carinhoso dado pelos alunos da sala à semana de provas. Como rotina, decidi acessar a Internet a fim de descobrir o que se passou ao redor do mundo, enquanto estive com os olhos grudados nos livros. Ao abrir a página de um jornal on-line de grande circulação dou de cara com a notícia de que a Secretaria Estadual de Segurança PÚBLICA (só para ficar claro, PÚBLICO, segundo o minidicionário Soares Amora, diz que: “1. Que se refere ou pertencente AO POVO; 2. que serve para o uso de TODOS”) do Rio de Janeiro havia comprado seu mais novo “brinquedinho”, o helicóptero blindado Estadunidense no valor de R$ 8 000 000,00 (Oito Milhões de Reais), o que denominaram “caveirão do ar”, alusão – para quem não sabe – ao carro blindando usado pela polícia nos confrontos contra os bandidos dos morros carioca.

O Superblindado dos ares agora faz parte da frota da referida Secretaria e será usado, segundo a notícia, em operações conjuntas com a Polícia Civil. Bem, o que começou a me deixar encrencado foi o seguinte questionamento, será mesmo quanto o Estado tem investido (eficazmente) na educação, saúde e amparo das milhares de pessoas que vivem abaixo da miséria? Neste sentido, surge-me a indignação do presente momento. Não contente em entrar nos morros apenas para devastarem as vidas dos que lá moram, com a manutenção e aceitação da miséria, efetuando uma espécie de “limpeza social”, isto é, simplesmente eliminando todos os que não se adaptaram (ou não conseguiram se adaptar) ao sistema imposto, eles agora se renovam para continuar na “Guerra contra o tráfico”, ou seria guerra contra os excluídos?

Um outro fato interessante chama-me a atenção, o veículo estará sobre a guarda da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, neste momento, como já foi transcrito em parágrafo anterior, a quem se refere a Publicidade da Secretaria? Isto é, quem são os verdadeiros segurados da Secretaria? A que Público a Secretaria Pública defende de fato? Percebo então a contínua reprodução de um sistema de “contenção social”, no qual a saída nunca é a resolução do cerne do problema, mas sempre o amparando em medidas supérfluas para conter aqueles que são tidos como “dejetos” da sociedade.

O “caveirão do ar” como foi denominado, provavelmente vem cumprir, como seu parente terrestre, o “brilhante” papel de conter o avanço das classes pobres sobres os bens dos ricos, amenizando, a tal guerra de classes disparada pela alarmante desigualdade social existente no país, uma guerra dos que têm contra os que não têm, enquanto isso, a educação, a saúde, a moradia, são valores perpetrados na aniversariante do mês, a Constituição Federal da República – a “Constituição Cidadã” – são esquecidos em prol de uma Publicidade de poucos, ou seja, o termo Público, é deturpado em prol de uma única classe.

Não que eu defenda o não investimento em segurança, mas ao passo deste deve ser feito um vasto investimento de transformação efetiva da sociedade com medidas válidas, e não meros paliativos, nos quais se usará da força para continuar mantendo os revoltosos afastados da PUBLICIDADE e da CIDADANIA que versa a Constituição. Ao passo disso, continuamos indiferentes à realidade, escondidos sob o manto de nossos ar condicionados, com os fones em nossos ouvidos e com os vidros fechados à realidade, continuamos presos em nossas “bolhas”, e ficamos satisfeitos com essa manutenção dos “excluídos”... E assim percebemos, mais uma vez, um Investimento Público tornar-se uma investida contra a CIDADANIA do público brasileiro.

São Luís – MA, 02 de outubro de 2008.